II semana do Saltério
Quem não é contra nós é a nosso favor.
cor verde
(Verde, Glória, Creio – II Semana do Saltério)
Os dons de Deus não podem ser privatizados
Introdução geral
Neste último domingo de setembro, celebramos o dia da Bíblia. Por meio da Bíblia, temos a oportunidade de conhecer a Deus e o seu plano de amor. Ele se revela na história humana. Concede seus dons com liberalidade para o bem de todos. Os dons de Deus não podem ser privatizados ou restritos a determinadas pessoas ou instituições. A primeira leitura relata um episódio de efusão do Espírito de Deus não somente sobre Moisés, o grande líder do êxodo, mas também sobre muitas outras pessoas, que começaram a profetizar. Diante disso, houve gente que tentou impedi-las. O Evangelho de Marcos conta como os discípulos tiveram a mesma reação ao constatar que outras pessoas faziam o bem em nome de Jesus sem pertencer ao grupo deles. Essas reações revelam a descabida pretensão de privatizar os dons de Deus. Também os bens materiais são dons de Deus que devem ser administrados de forma que proporcionem vida digna a todos. A segunda leitura denuncia veementemente a atitude dos ricos que privatizam esses bens e exploram os trabalhadores. Deus não deixará de ouvir o grito das pessoas injustiçadas e pedirá contas a quem retém os recursos que ele destinou a todos.
Antífona de entrada:
Senhor, tudo o que fizestes conosco com razão o fizestes, pois pecamos contra vós e não obedecemos aos vossos mandamentos. Mas honrai o vosso nome, tratando-nos segundo vossa misericórdia (Dn 3,31.29s.43.42).
Oração do dia
Ó Deus, que mostrais vosso poder sobretudo no perdão e na misericórdia, derramai sempre em nós a vossa graça, para que, caminhando ao encontro das vossas promessas, alcancemos os bens que reservais. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
II. Textos Bíblicos
1° Leitura (Números 11,25-29)
Leitura do livro dos Números.
11 25 O Senhor desceu na nuvem e falou a Moisés; tomou uma parte do espírito que o animava e a pôs sobre os setenta anciãos. Apenas repousara o espírito sobre eles, começaram a profetizar; mas não continuaram.
26 Dois homens tinham ficado no acampamento: um chamava-se Eldad e o outro, Medad, e o espírito repousou também sobre eles, pois tinham sido alistados, mas não tinham ido à tenda; e profetizaram no acampamento.
27 Um jovem correu a dar notícias a Moisés: “Eldad e Medad, disse ele, profetizam no acampamento.”
28 Então Josué, filho de Nun, servo de Moisés desde a sua juventude, tomou a palavra: “Moisés, disse ele, meu senhor, impede-os.”
29 Moisés, porém, respondeu: “Por que és tão zeloso por mim? Prouvera a Deus que todo o povo do Senhor profetizasse, e que o Senhor lhe desse o seu espírito!”
Palavra do Senhor.
Salmo Responsorial 18(19)
A lei do Senhor Deus é perfeita, alegria do coração!
A lei do Senhor Deus é perfeita,
conforto par a alma!
O testemunho do Senhor é fiel,
sabedoria dos humildes.
É puro o temor do Senhor,
imutável para sempre.
Os julgamentos do Senhor são corretos
e justos igualmente.
É vosso servo, instruído por elas,
se empenha em guardá-las.
Mas quem pode perceber suas faltas?
Perdoai as que não vejo!
E preservai o vosso servo do orgulho:
não domine sobre mim!
E assim puro eu serei preservado
dos delitos mais perversos.
2º Leitura (Tiago 5,1-6)
Leitura da carta de são Tiago.
5 1 Vós, ricos, chorai e gemei por causa das desgraças que sobre vós virão.
2 Vossas riquezas apodreceram e vossas roupas foram comidas pela traça.
3 Vosso ouro e vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem dará testemunho contra vós e devorará vossas carnes como fogo. Entesourastes nos últimos dias!
4 Eis que o salário, que defraudastes aos trabalhadores que ceifavam os vossos campos, clama, e seus gritos de ceifadores chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos.
5 Tendes vivido em delícias e em dissoluções sobre a terra, e saciastes os vossos corações para o dia da matança!
6 Condenastes e matastes o justo, e ele não vos resistiu.
Palavra do Senhor.
Evangelho (Marcos 9,38-43.45.47-48)
Aleluia, aleluia, aleluia.
Vossa palavra é verdade, orienta e dá vigor; na verdade santifica vosso povo, ó Senhor! (Jo 17,17).
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos.
Naquele tempo, 9 38 João disse-lhe: “Mestre, vimos alguém, que não nos segue, expulsar demônios em teu nome, e lho proibimos”.
39 Jesus, porém, disse-lhe: “Não lho proibais, porque não há ninguém que faça um prodígio em meu nome e em seguida possa falar mal de mim.
40 Pois quem não é contra nós, é a nosso favor.
41 E quem vos der de beber um copo de água porque sois de Cristo, digo-vos em verdade: não perderá a sua recompensa.
42 Mas todo o que fizer cair no pecado a um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que uma pedra de moinho lhe fosse posta ao pescoço e o lançassem ao mar!
43 Se a tua mão for para ti ocasião de queda, corta-a; melhor te é entrares na vida aleijado do que, tendo duas mãos, ires para a geena, para o fogo inextinguível
45 Se o teu pé for para ti ocasião de queda, corta-o fora; melhor te é entrares coxo na vida eterna do que, tendo dois pés, seres lançado à geena do fogo inextinguível
47 Se o teu olho for para ti ocasião de queda, arranca-o; melhor te é entrares com um olho de menos no Reino de Deus do que, tendo dois olhos, seres lançado à geena do fogo,
48 ‘onde o seu verme não morre e o fogo não se apaga’”.
Palavra da Salvação.
III. Comentário dos textos bíblicos:
1° Leitura (Números 11,25-29): A efusão do Espírito de Deus
O povo de Israel encontra-se em caminhada pelo deserto, libertando-se da escravidão do Egito. Moisés foi chamado por Deus para liderar esse processo de conquista de uma terra de liberdade e vida. Esse chamado não significa a prática de um poder centralizado. Acima de tudo, é necessário garantir o projeto de Deus. Moisés é um dos protagonistas, mas não o único. A sociedade nova é construída com a participação do povo. Os setenta anciãos representam as lideranças necessárias para animar a organização social conforme a inspiração divina. Por isso, Deus lhes concede o seu Espírito, a fim de que cumpram sua missão com fidelidade. Eles exercem a profecia, isto é, falam e orientam o povo em nome de Deus.
Os setenta anciãos estão na mesma tenda com Moisés. Pertencem, portanto, ao grupo íntimo do principal líder. A tenda de Moisés é o espaço oficial das decisões a serem tomadas sobre aquilo que diz respeito a todo o povo. Os anciãos são oficialmente delegados para exercer a função de instruir, orientar e julgar o povo. Mas eis que duas pessoas que não se encontravam na tenda de Moisés também recebem o mesmo dom do Espírito e começam a profetizar no meio do acampamento. O texto conservou o nome dos dois: Eldad, que significa “Deus é amigo”, e Medad, “Deus é amor”. Um jovem corre para informar o fato a Moisés, certamente preocupado com a autonomia dos dois novos profetas que cumprem sua missão sem uma delegação oficial. Josué, que será o substituto de Moisés na condução do povo, sugere-lhe que os proíba. O outro, no entanto, percebe que a tentativa de proibição da parte de Josué é motivada por ciúme. Por isso o corrige. Moisés não teme ser ofuscado em sua autoridade. O que importa é que os dons de Deus, distribuídos conforme sua vontade, sejam acolhidos e administrados para o bem de todos. Os dons divinos não obedecem aos interesses de instituições oficiais. Deus é soberano em suas decisões, e sua liberalidade é extraordinária. Oxalá todo o povo se deixe conduzir pelo Espírito de Deus!
2º Leitura (Tiago 5,1-6): O grito dos injustiçados
A realidade contemplada pelos autores da carta de Tiago, conforme se deduz desse texto, é de terrível injustiça social. Não sabemos se esses ricos exploradores fazem parte das comunidades cristãs. Provavelmente não, pois seria explícita contradição da fé que professam. Ou seriam aqueles cristãos cuja fé é morta, como já foi alertado anteriormente nessa mesma carta? Dizem que têm fé, mas não têm obras (2,14-17).
O fato é que Tiago, com palavras duras e contundentes, denuncia a situação social em que os pobres estão sendo oprimidos. Percebe-se que os ricos são grandes proprietários de terras que se aproveitam da mão de obra dos pobres trabalhadores, pagando um salário irrisório (ou o retendo) e reduzindo-os à condição de escravos. A riqueza acumulada nas mãos desses senhores, fruto do suor e do sangue dos oprimidos, tornar-se-á motivo de sua própria condenação. Todo o seu ouro e prata, apesar de serem metais naturalmente consistentes, estão corroídos pela ferrugem. Os bens acumulados à custa de injustiça carregam a “ferrugem” da maldade. Eles serão usados como testemunhas contra os seus donos, pois o grito dos injustiçados sempre é acolhido por Deus, que é justo e verdadeiro.
Ao longo da Bíblia, encontramos frequentes alusões ao uso dos bens materiais. Desde o episódio do maná no deserto, pelo qual Deus alimentou o seu povo, é-nos dada a orientação de que não se pode acumular, pois o acúmulo apodrece (Ex 16,19). Os profetas condenaram a injustiça social como enorme ofensa a Deus, a ponto de ele rejeitar qualquer tipo de manifestação religiosa enquanto não houvesse conversão (Am 5,21-24; Is 58,6-9). Nos evangelhos, encontramos vários textos que se referem ao perigo da riqueza e da insensibilidade social: um exemplo é o do homem rico e do pobre Lázaro (Lc 16,19-31). Chama a atenção o fato de que a salvação ou a condenação estão ligadas ao modo pelo qual cada um administra os bens. Não podemos reter ou privatizar o que Deus concedeu para a vida de todos.
Evangelho (Marcos 9,38-43.45.47-48): Praticar o bem: alguém pode impedir?
No domingo passado, refletimos sobre o texto do Evangelho de Marcos no qual os discípulos, após discutirem pelo caminho sobre qual deles seria o maior, recebem em casa uma instrução especial de Jesus. Tomando uma criança e colocando-a no meio deles, Jesus mostra qual é a atitude verdadeira que seus discípulos devem ter na vida: “Ocupar o último lugar e tornar-se servos uns dos outros”. O texto de hoje é a continuação desse episódio. No caminho, eles não apenas haviam discutido quem seria o maior, mas também tentaram impedir que alguém não pertencente ao grupo realizasse boas ações em nome de Jesus. É João quem, dessa vez, representa a todos: “Mestre, vimos alguém expulsando demônios em teu nome e o impedimos, porque não nos seguia”.
Essa é mais uma atitude que revela o alto grau de imaturidade demonstrado pelos discípulos de Jesus. Eles também já haviam sido enviados por Jesus para pregar o evangelho e “expulsaram muitos demônios e curaram muitos enfermos” (Mc 6,12). Foi muito bonita essa experiência missionária, quando numerosas pessoas foram beneficiadas. Certamente se sentiram privilegiados por serem escolhidos por Jesus e enviados por ele para tão grande missão. O que não esperavam é que outras pessoas, além deles, pudessem realizar as mesmas obras. Ficaram aborrecidos e enciumados, como aconteceu com Josué, conforme ouvimos na primeira leitura. Moisés, cheio de sabedoria e de grande coração, corrigiu a atitude de Josué. Assim também Jesus, que veio ao mundo para salvar a todos, procura instruir os discípulos para que mudem de mentalidade e de atitude: “Não o impeçais… Quem não é contra nós está a nosso favor”. Com isso, Jesus está advertindo-os de que pode haver pessoas que, embora pertençam ao círculo íntimo dos discípulos, são contra ele; está pondo o projeto de vida para todos acima das pretensões pessoais.
Não se pode fazer uso do nome de Deus ou da religião para satisfazer interesses pessoais ou para disputas de poder. Essa atitude seria escândalo para os pequeninos, que olham para seus líderes esperando verdadeiro testemunho de fé e de amor. O escândalo existe quando alguém na comunidade pretende ser maior que os outros; ao invés de servir, quer ser servido. Jesus é enfático: melhor seria que essa pessoa se afogasse definitivamente no fundo do mar. E diz mais: é preciso cortar a mão que escandaliza, isto é, o mau agir; cortar o pé, que significa corrigir a direção ou a conduta errada na vida; arrancar o olho, ou seja, o modo de ver as coisas com cobiça, ciúme, inveja, ambição… Portanto, há necessidade de vigiar o modo de viver e exercer as funções comunitárias. É preciso extirpar tudo o que contradiz o evangelho e causa dano aos que querem entender e praticar verdadeiramente o que Jesus pede. A missão de promover a vida digna de todos constitui serviço abnegado e humilde, e não uma forma de projeção social, de exploração do sentimento religioso dos pequeninos ou de realização de outras intenções egoísticas.
IV. Pistas para reflexão
– A Bíblia nos revela a bondade e a generosidade de Deus. Ele concede os dons e carismas com liberalidade. Cada pessoa que os recebe deve pô-los a serviço da vida. Não podem ser considerados bens privativos, pois são de Deus. Não podem ser usados como motivo de vanglória pessoal, e sim como expressão da bondade divina. Todas as pessoas recebem dons para a alegria e a felicidade de todos, independentemente da instituição ou da tradição religiosa a que pertencem. Portanto, não tem sentido o ciúme ou a competição. O que importa é que todos os dons sejam aplicados verdadeiramente no projeto de “vida em abundância” para todas as pessoas. Assim, cada pessoa e cada religião, a política e a economia, a arte, a ciência e a tecnologia devem visar ao bem social. Pode-se refletir sobre os efeitos sociais de uma vida ou atividade (mão, pé e olho) orientada pela ética e pelo amor, diferente da que busca objetivos egoísticos…
– Os bens materiais são dons de Deus para a vida de todos os seus filhos e filhas. Ofendemos a Deus quando os administramos de forma egoísta. A privatização da riqueza nas mãos de poucos denuncia o sistema social injusto em que vivemos. “Perdemos a capacidade de sentir. Essa é uma das causas de nossa miséria” (Herbert de Souza, o Betinho). Jesus preveniu: “Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e o caruncho os corroem… Ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça nem o caruncho correm…” (Mt 6,19-21). Podem-se levantar os desafios sociais que existem na paróquia e no município e incentivar nosso compromisso de cristãos na construção do mundo justo, fraterno e solidário…
V. Sobre as oferendas
Ó Deus de misericórdia, que esta oferenda vos seja agradável e possa abrir para nós a fonte de toda bênção. Por Cristo, nosso Senhor.
VI. Antífona da comunhão:
Nisto conhecemos o amor de Deus: Jesus deu sua vida por nós; por isso nós também devemos dar a nossa vida pelos irmãos (1Jo 3,16).
VII. Depois da comunhão
Ó Deus, que a comunhão nesta eucaristia renove a nossa vida para que, participando da paixão de Cristo neste mistério e anunciando a sua morte, sejamos herdeiros da sua glória. Por Cristo, nosso Senhor.
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