A Igreja e o racismo
No dia 20 de novembro, comemora-se o dia nacional da consciência negra, cujo fim é o da superação do racismo, especialmente contra os de pele negra ou similar.
Antropologicamente, a palavra “raça”, referindo-se a seres humanos, está superada, pois biologicamente significa “subespécie” e conota um preconceito contra certos grupos humanos, o que vem a ser “racismo”. Às vezes se usa o termo “raça” para identificar um grupo cultural ou étnico-linguístico, mas seriam preferíveis os termos “população”, “etnia” ou “cultura”.
A Igreja já se pronunciou diversas vezes contra o preconceito baseado na cor da pele ou na etnia, proclamando, firmada na divina Revelação, a dignidade de toda a pessoa criada à imagem de Deus, a unidade do gênero humano no plano do Criador e a reconciliação com Deus de toda a humanidade pela Redenção de Cristo, que destruiu o muro de ódio que separava os mundos contrapostos, para que em Cristo se recapitulassem todos os seres humanos. Com essas premissas, a Igreja prega o respeito recíproco dos grupos étnicos e das chamadas “raças” e a sua convivência fraterna. A mensagem de Cristo foi para todos os povos e nações, sem distinção nem preferências. É o tema repetido por São Paulo: “Não há distinção entre judeu e grego, porque todos têm um mesmo Senhor...” (Rm 10,12); “já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre..., pois todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gal 3, 28).
Infelizmente, com a descoberta e colonização do Novo Mundo, no século XVI, começaram a surgir abusos e ideologias racistas. Os Papas não tardaram a reagir. Assim, em 1537, na Bula Sublimis Deus, o Papa Paulo II denunciava os que consideravam os indígenas como seres inferiores e solenemente afirmava: “No desejo de remediar o mal que foi causado, nós decidimos e declaramos que os chamados Indígenas, bem como todas as populações com que no futuro a cristandade entrará em relação, não deverão ser privados da sua liberdade e dos seus bens – não obstante as alegações contrárias – ainda que eles não sejam cristãos, e que, ao contrário, deverão ser deixados em pleno gozo da sua liberdade e dos seus bens”. Mais tarde, o Papa Urbano VIII teve até de excomungar aqueles que detinham escravos indígenas. É claro que essas normas da Igreja nem sempre foram obedecidas, mesmo por muitos dos seus membros. Quando começou o tráfico de Negros, vendidos como escravos e trazidos para as novas terras, os Papas e os teólogos pronunciaram-se contra essa prática abominável. O Papa Leão XIII condenou-a com vigor na sua encíclica In Plurimis, de maio de 1888, ao felicitar o Brasil por ter abolido a escravidão. E o Papa São João Paulo II não hesitou, no seu discurso aos intelectuais africanos, em Yaoundé, em 13 de agosto de 1985, em deplorar que pessoas pertencentes a nações cristãs tenham contribuído para esse tráfico de Negros.
E quando, fruto da ideologia racista do século XVIII, surgiu na Alemanha o partido totalitário nacional-socialista, o Papa Pio XI, na sua encíclica Mit Brennender Sorge, condenou com firmeza as doutrinas nazistas da superioridade da raça ariana sobre as demais.
Pastoral Afro-Brasileira celebra Dia da Consciência Negra
Hoje, dia 20 de novembro, é celebrado, em todo o Brasil, o Dia da Consciência Negra. Nesta data são enfatizadas as articulações e reflexões sobre direitos, igualdade de oportunidades, liberdade e reconhecimento do povo de descendência africana.
Durante entrevista coletiva à imprensa, nesta quinta-feira, o arcebispo de Aparecida (SP) e presidente da CNBB, cardeal Raymundo Damasceno Assis, lembrou que os negros sofrem as consequências da escravidão até os dias hoje. "Por isso mesmo, nós procuramos saudar essa dívida social com os negros que tanto contribuem para a cultura, a história, o desenvolvimento e elementos religiosos do país".
Também nesta manhã, a Pastoral Afro-Brasileira CNBB promoveu, na sede da instituição, uma festa chamada tradicionalmente pelas comunidades negras de quizomba. Participaram da iniciativa os bispos, colaboradores e assessores da Conferência. “No Brasil inteiro, toda comunidade hoje tem celebração inculturada ou uma quizomba com demonstração da nossa cultura, exposições, teatros, cantos”, informou o assessor da Pastoral Afro-Brasileira da CNBB, padre Jurandyr Araújo.
O assessor explica que estes eventos têm uma orientação comemorativa, mas também estão voltados para a afirmação da consciência política, da pertença étnico racial e da reivindicação dos direitos da população negra que, de acordo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013, corresponde a 53% da população brasileira.
Pastoral Afro-Brasileira
A valorização da cultura Afro-brasileira é um dos desafios da Pastoral Afro, que atua na defesa do patrimônio cultural e religioso da população negra. O arcebispo emérito da Paraíba (PB), dom José Maria Pires, foi um dos precursores da Pastoral que busca dar espaço aos negros na vida da Igreja. “Eram alguns bispos e padres brancos que achavam que deveriam dar oportunidade aos negros. Então começamos com alguns pequenos movimentos, algumas pequenas celebrações. Aí fomos progredindo, caminhando, até que nós pudéssemos ter organizada hoje uma verdadeira Pastoral Afro-Brasileira”, recorda.
A criação da Pastoral era, segundo dom José Maria Pires, uma afirmação de que não havia inferioridade no povo de origem africana e que os elementos de sua cultura podiam fazer parte das celebrações.
“Nossas celebrações, por exemplo, são diferentes, claro. Quanto tivemos a missa dos quilombos, lá na serra onde morou Zumbi, a gente viu como aquilo realmente era. Tinham os elementos essenciais da missa, mas, ao mesmo tempo, tinha algo de diferente na celebração. Uma celebração muito alegre, participação com cantos, com danças...”, lembra o arcebispo emérito.
Dom José Maria Pires ressalta que as diferenças étnicas e culturais devem ser respeitadas. “Somos diferentes, temos que nos respeitar mutuamente, não podemos querer que o branco celebre como o negro celebra, mas essas diferenças devem ser levadas em conta não só na parte religiosa, mas na parte social também. O negro tem seu jeito de ser e esse jeito de ser não é uma oposição ao branco, mas uma coisa realmente diferente”, explica.
Participação histórica
Por sua vez, o bispo auxiliar do Rio de Janeiro (RJ) e referencial para a Pastoral Afro na arquidiocese, dom Pedro Cunha Cruz, aponta a participação do negro na história do Brasil. “Não se pode pensar, portanto, a história do país, na sua construção, sem a participação do negro. Então gostaria que esse dia fosse bem celebrado, bem conscientizado, que outras dioceses também se abrissem a essa inciativa, realmente no sentido de reconhecermos a figura do negro na Igreja e na sociedade”, disse.
Fonte: CNBB
Nenhum comentário:
Postar um comentário