Mais do que apenas condenar atos pontuais, a visão da Igreja é propositiva: é necessário promover uma nova “cultura do encontro”
No mês passado, o papa Francisco fez uma visita à cidade italiana de Prato, na Toscana, e, em seu discurso aos fiéis, pediu com toda a clareza:
“Combater até o fim o câncer da corrupção e o veneno da ilegalidade”.
O que o termo “corrupção” significa?
– A palavra vem do latim “corruptio”, derivada do verbo “rumpere”: romper, quebrar. Corromper ou ser corrompido significa romper. Romper o quê? Romper o equilíbrio natural entre as pessoas, romper a integridade moral, romper a harmonia, romper a fraternidade.
– Atualmente, a palavra “corrupção” costuma remeter ao mundo da política e das instituições que rompem a justiça e defraudam a sociedade.
– No entanto, o conceito de “corrupção” é mais abrangente do que a corrupção política, social, econômica. A corrupção é do indivíduo: ela se enraíza em cada pessoa que se deixa corromper ou que corrompe o outro.
– Assim, o fenômeno concreto da “corrupção” está presente no interior de cada pessoa que rompe a harmonia na convivência com o próximo ao buscar vantagem pessoal indevida.
O que a Bíblia diz sobre a corrupção?
– O termo “corrupção” não aparece muito na Bíblia, mas o “fenômeno” da corrupção, da degeneração do comportamento humano que “rompe” a convivência harmoniosa entre os homens, este aparece em muitas passagens.
– Um exemplo clássico é o da “Vinha de Nabot” (Reis 1,21). Nabot possuía uma vinha próxima ao palácio do rei Acab. O rei lhe propôs comprar a vinha, mas Nabot recusou vendê-la porque a vinha era a herança dos seus pais. Jezabel, a esposa do rei, sugeriu-lhe que levasse os anciãos do reino a prestar falsos testemunhos contra Nabot, acusando-o publicamente de blasfêmia contra Deus e contra o rei. Nabot foi apedrejado e o rei se apropriou da vinha.
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– O episódio bíblico revela vários fenômenos de corrupção, sem precisar usar o termo “corrupção” para defini-los como tal: mostra aquela que sugere um estratagema corrupto, aquele que aprova e opera o esquema corruptor, aqueles que se deixam corromper e se tornam cúmplices do esquema, mentindo e acobertando, aqueles que reagem passional e criminosamente em um suposto gesto “justiceiro”, assassinando o inocente… Toda a sociedade se deixa “romper” em sua harmonia.
O que a Doutrina Social da Igreja fala sobre a corrupção?
– A doutrina não trata da corrupção a partir dos seus dados empíricos, coisa que cabe à sociologia; ela encara o problema a partir da perspectiva ética, iluminando os meios para o eficaz combate à corrupção.
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– Com esta visão construtiva, a Igreja aponta princípios e valores a ser adotados pela sociedade, em vez de ficar apenas indicando o que deve ser evitado.
– Além do Compêndio da Doutrina Social da Igreja (DSI), as coordenadas para superar a corrupção encontram-se ainda na “Sollicitudo rei socialis” e na “Centesimus annus”, sempre com o foco positivo em construir uma sociedade do amor e da justiça, que não “corrompa” o equilíbrio e a harmonia entre todas as pessoas – harmonia necessária para a realização de cada pessoa.
– A encíclica “Laudato Si’” também aborda com visão propositiva a superação da corrupção, ao propor uma “ecologia humana” que vá muito além e mais a fundo que um mero “ambientalismo”: os atos humanos que corrompem o equilíbrio natural não podem ser combatidos de modo fragmentado, isolado; é preciso passar a enxergar e promover a integridade e integralidade da pessoa, em sua harmoniosa convivência com o próximo e com o mundo. É esta visão de propósito de vida o que pode superar a “corrupção” do homem e da natureza, e não a vã condenação de atitudes pontuais.
– Nesta mesma panorâmica, todo o magistério do papa Francisco propõe que o homem se volte às “periferias da existência”, promovendo a “cultura do encontro” com as pessoas excluídas pela “cultura do descarte”, a fim de integrá-las à “cultura da vida” mediante o “acolhimento”. Não basta apontar o dedo para aquilo que está errado: é preciso apontar as soluções que atuem sobre as raízes do problema – no caso, raízes internas, que brotam no interior de cada pessoa que adere a uma cultura de ruptura.
– É interessante observar que a palavra “corrupção” praticamente não aparece no magistério pontifício: o magistério não quer se limitar a uma atitude de simples condenação verbal, preferindo propor posturas positivas e construtivas, que, na prática, são a única forma real de derrotar as posturas corruptas.
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