Muitos católicos se sentiram confusos ou não conseguiram compreender muito bem o que o Papa Francisco quis dizer ao se pronunciar sobre o uso de preservativos e anticoncepcionais, no caso específico da contaminação pelo vírus Zika, ao ser entrevistado por alguns jornalistas no voo de retorno de sua viagem, do México ao Vaticano.
Primeiramente, devemos entender bem uma coisa: o Papa deixou bem claro que o uso de contraceptivos só pode ser considerado “em casos especiais” onde se possa aplicar o conceito moral de “mal menor”– nunca em casos de aborto. O que significa o mal menor? Entre duas situações más, sem que se possa ter outra alternativa, então, é lícito optar pela decisão onde o mal seja menor. Por exemplo, se um assassino está na iminência de matar um inocente, e este não tem outra alternativa para salvar sua vida, a não ser matando o agressor injusto, então, esta opção é válida e legítima; é o caso da legítima defesa. Claro que se o agredido puder se salvar sem matar o agressor, então, assim deve fazer.
O Porta voz do Vaticano, Pe. Lombardi, explicou a posição do Papa:
“O Papa distingue claramente, a radicalidade do mal do aborto como supressão de uma vida humana e a possibilidade do recurso à contracepção ou preservativos em casos de emergência ou situações particulares, em que, desta forma, não se suprime uma vida humana, mas se evita uma gravidez. Ora, não é que ele diga que é aceito e usado o recurso sem nenhum discernimento, antes pelo contrário, disse claramente que pode ser levado em consideração em casos particulares de emergência. O exemplo que fez de Paulo VI e da autorização ao uso da pílula para as religiosas que corriam risco grave e contínuo de violência por parte dos rebeldes no Congo, no tempo das tragédias da guerra do Congo, faz entender que não é que fosse uma situação normal em que isto era levado em consideração. E também – recordamos por exemplo – a discussão seguida a um passo do livro-entrevista de Bento XVI “Luz do Mundo”, em que ele falava à propósito do uso do preservativo em situações com risco de contágio, por exemplo, da AIDS. Assim, o contraceptivo ou o preservativo, em casos de particular emergência e gravidade, podem também ser objeto de um discernimento de consciência sério”.
O Porta voz esclarece que o uso de preservativos e contraceptivos é lícito “em casos particulares de emergência”; isto é, não se pode usá-los de modo continuo e sistemático, e sim, apenas em casos emergenciais. Fica claro que não se pode fazer uso dessas medidas em quaisquer casos; mas somente naqueles que satisfaçam a exigência da doutrina moral do “mal menor”; isto é, se não tiver outra saída. É bom lembrar que em se tratando de sexo, quase sempre há saída alternativa – embora difícil – do casal suspender a vida sexual por um tempo, o que não é tão raro entre casais, por exemplo, em caso de doença grave de um dos cônjuges. Pense no caso de uma mulher que tem um sério problema de saúde nos órgãos genitais e de maneira prolongada.
Deixo aqui alguns ensinamentos definitivos do Magistério da Igreja sobre esta questão, para que quem desejar se aprofunde no tema. Foram bem resumidos e publicados pelo amigo Taiguara Fernandes. Como veremos, em situações normais, não se pode alegar “mal menor”, para uso dos contraceptivos. No caso autorizado pelo Papa Paulo VI na África, o mal menor foi bem claro.
“A Igreja não aceita nenhum método, artificial ou natural, que tenha como objetivo livremente desejado **evitar** a fecundação: “É, ainda, de excluir toda a ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação” (Humanae Vitae, 14).
“A Igreja aceita, exclusivamente, os métodos naturais que tenham como fim desejado “espaçar” os nascimentos por uma razão justa, em vista de uma paternidade responsável, e não “evitar a fecundação”, como se o filho fosse um mal indesejado: “Se, portanto, existem motivos sérios para distanciar os nascimentos, que derivem ou das condições físicas ou psicológicas dos cônjuges, ou de circunstâncias exteriores, a Igreja ensina que então é lícito ter em conta os ritmos naturais imanentes às funções geradoras, para usar do matrimônio só nos períodos infecundos e, deste modo, regular a natalidade, sem ofender os princípios morais que acabamos de recordar” (Humanae Vitae, 16).
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“Toda relação conjugal que seja tornada “voluntariamente infecunda” é desonesta em si mesma, intrinsecamente. Portanto, é sempre pecado: “É um erro, por conseguinte, pensar que um ato conjugal, tornado voluntariamente infecundo, e por isso intrinsecamente desonesto, possa ser coonestado pelo conjunto de uma vida conjugal fecunda” (Humanae Vitae, 14).
“A Igreja não aceita para os contraceptivos a justificativa do “mal menor” diante do aborto, “nem sequer por razões gravíssimas”: “Não se podem invocar, como razões válidas, para a justificação dos atos conjugais tornados intencionalmente infecundos, o mal menor […]. Na verdade, se é lícito, algumas vezes, tolerar o mal menor para evitar um mal maior, ou para promover um bem superior, nunca é lícito, nem sequer por razões gravíssimas, fazer o mal, para que daí provenha o bem” (Humanae Vitae, 14).
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“Tanto a defesa dos contraceptivos como um mal menor, quanto a defesa do aborto, advém da mesma mentalidade: “Mas os pseudo-valores inerentes à ‘mentalidade contraceptiva’ — muito diversa do exercício responsável da paternidade e maternidade, atuada no respeito pela verdade plena do ato conjugal — são tais que tornam ainda mais forte essa tentação, na eventualidade de ser concebida uma vida não desejada” (Evangelho da Vida, 13).
“Também não se pode usar a “misericórdia com o pecador” como pretexto para mudar o conteúdo do ensinamento da Igreja: “É absolutamente necessário que toda a doutrina seja exposta com clareza. Nada tão alheio ao ecumenismo como aquele falso irenismo pelo qual a pureza da doutrina católica sofre detrimento e é obscurecido o seu sentido genuíno e certo” (Concílio Vaticano II, Decreto Unitatis Redintegratio, n. 11).
Também não podemos nos esquecer do que nos reforça o Catecismo da Igreja Católica acerca do controle da natalidade:
“§2368- Um aspecto particular desta responsabilidade diz respeito à regulação da procriação. Por razões justas, os esposos podem querer espaçar os nascimentos de seus filhos. Cabe-lhes verificar que seu desejo não provém do egoísmo, mas está de acordo com a justa generosidade de uma paternidade responsável. Além disso, regularão seu comportamento segundo os critérios objetivos da moral.
A moralidade da maneira de agir, quando se trata de harmonizar o amor conjugal com a transmissão responsável da vida, não depende apenas da intenção sincera e da reta apreciação dos motivos, mas deve ser determinada segundo critérios objetivos tirados da natureza da pessoa e de seus atos, critérios esses que respeitam o sentido integral da doação mútua e da procriação humana no contexto do verdadeiro amor. Tudo isso é impossível se a virtude da castidade conjugal não for cultivada com sinceridade.”
“§2370- A continência periódica, os métodos de regulação da natalidade baseados na auto-observação e no recurso aos períodos infecundos estão de acordo com os critérios objetivos da moralidade. Estes métodos respeitam o corpo dos esposos, animam a ternura entre eles e favorecem a educação de uma liberdade autêntica. Em compensação, é intrinsecamente má “toda ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento de suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação”
Tendo em vista tudo isso, devemos entender que o Papa não quis dizer que há uma liberação de modo generalizado do uso de contraceptivos e preservativos, e sim, que podem ser usados em casos muito específicos; o que não é uma novidade na história da Igreja, como vimos nos exemplos já citados, de Papa Paulo VI e Papa Bento XVI; essa medida já precisou ser tomada outras vezes.
Prof. Felipe Aquino
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