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quinta-feira, 26 de março de 2015

A POLÊMICA DO BEIJO

“Como cidadãos e como cristãos temos uma grande missão na nossa época, entre tantas outras. A missão de edificar na família, na sociedade e nos meios de diversão humana uma verdadeira cultura do beijo”
Quando algum gesto ou certas palavras tornam-se uma polêmica entre grupos de pessoas, a última resposta esperada pelo público, que é espectador da discussão iniciada, seria uma justificativa tão fechada na mente dos geradores de tal controvérsia, que não convence ninguém.

A reação ao beijo de duas famosas artistas da dramaturgia brasileira ocorrido na estreia da novela da Globo no dia 16 de março passado foi exatamente isso: uma resposta esfarrapada.
As redes sociais ‘bombaram’ todos os dias seguintes ao gesto “ibópico” (para ter Ibope logo no início da novela, e, sobretudo, por motivos que discutiremos nesse artigo), e qual foram as respostas das duas idosas mulheres do teatro?
Uma delas afirmou o seguinte: “É lógico que sempre tem alguém que não gosta, mas faz parte”, e numa outra entrevista apelou para o lugar comum bastante conhecido: “Todos temos o direito de se posicionar (...) É uma caça às bruxas o que estão propondo”. Como se costuma dizer na linguagem do povo, falou e não disse absolutamente nada, embora na sua mente tenha considerado que esta seria a resposta certa e definitiva para uma parte do público que assiste novela, e deixou claro que não aceita a existência de pessoas que vivam o seu direito de se posicionar contra, e as estigmatiza da forma antiga de fugir do diálogo.
A outra tentou ser mais profunda nas suas palavras e não disse nenhuma novidade a respeito do legitimo beijo entre homem e mulher apaixonados: “O que é mais importante do que esse frisson de beija ou não é que é normal entre duas pessoas que se amam, que o sentimento venha se expressar dessa maneira”.
Houve quem no bombardeamento da rede social exerceu o seu poder incendiário para inflamar ainda mais a polêmica do beijo da novela da Globo: “Romance sério? Noite feliz? Beijo gay de terceira idade? Não! Isto não pode ser amor nem aqui nem no inferno!” Foi uma das reações de indignação diante do beijo do primeiro capítulo da novela e dos beijos dos capítulos seguintes, mas também isso não foi uma resposta satisfatória e esclarecedora para o público.
Muitas explicações e muitas reações inflamadas de críticas incisivas impedem uma reflexão mais profunda e mais favorável ao diálogo nas redes sociais, a fim de entender o que está acontecendo por detrás de um beijo gay.
Penso que estamos vivendo uma época histórica muito propícia para ter o domínio das nossas emoções reativas e para pensar, com mais inteligência e serenidade, sobre o que realmente existe por detrás de certas expressões afetivas, de alguns beijos “ibópicos”, de certos tipos de conduta humana, para sairmos, em primeiro lugar, de um redemoinho de justificativas, que não explicam absolutamente nada, e de paixões que só inflamam mais a violência verbal.
Depois, em segundo lugar, é preciso criar nas famílias, na sociedade e na Igreja um clima de diálogo mais objetivo e profundo, mais respeitoso com as pessoas e mais misericordioso, para acabar com essas violências midiáticas, seja apresentando imagens significativas e impactantes, seja criticando raivosamente as pessoas envolvidas em cada uma delas. Da violência nunca sai a paz entre as pessoas, nem entendimento certo dos fatos polêmicos.
A questão central não está no beijo gay de duas idosas senhoras de teatro. Tampouco a questão não reside na afetividade de quem quer que seja.
A questão principal está no significado e no valor dado a um beijo entre duas pessoas.
Beijar, gramaticalmente falando, é um verbo e, ao mesmo tempo, um substantivo. Quando se conjuga um verbo ou se utiliza de um substantivo nas novelas, no cinema, nos escritos de pensadores e nas respostas dadas por quem quer que seja, envolvendo essas palavras beijar e beijo, o que devemos considerar e conversar é sobre o sentido dado a esse gesto.
Será mesmo um sentimento de amor? Será que só é para escandalizar os puritanos, elevar o Ibope de uma novela, promover um estilo de vida? Será só para criar as polêmicas que dividem os diversos grupos sociais e religiosos?
Acontece que beijar significa identificar, valorizar, apreciar de modo especial uma pessoa, que é o substantivo principal da cena vista com duas pessoas se beijando.
O beijo é um sinal de valorização, senão corre o risco de ser depreciativo; é um gesto de amor, senão corre o risco de ser uma traição.
A nossa história é rica em exemplos de pessoas que se beijaram com um sentido muito apreciativo e valioso. Cito dois exemplos apenas: o beijo do Beato Papa Paulo VI na face do patriarca da Igreja Ortodoxa, Atenágoras, na década do Concílio Vaticano II, significando nesse gesto de dois homens se beijando o passo inicial de uma reconciliação e comunhão entre duas Igrejas que há tanto tempo vivem separadas entre si.
O segundo exemplo é também entre dois homens, mas com um significado triste e paradigmático: o beijo de Judas no rosto de Jesus Cristo no Horto das Oliveiras serviu para identificar Aquele que deveria ser preso, torturado e crucificado para a salvação da humanidade. Foi o gesto final de uma traição forjada ao longo do tempo e concretizada no ganho de 30 moedas, um valor irrisório diante do valor de um Deus que se encarnou para mostrar todo seu amor divino com gestos humanos.
O ato físico de beijar não diz nada, mesmo entre pessoas do mesmo sexo, como acabamos de ver, se não se apreende o seu significado mais profundo.
É claro que “usar” uma pessoa para que o beijo tenha outro sentido diferente da reconciliação, da valorização, do apreço que se tem por ela, é uma traição feita, através de um sinal de afeto a esta pessoa. É uma manipulação escandalosa, e mais do que o beijo em si, o que se vê é uma pessoa ou pessoas envolvidas no gesto do beijo sendo “usadas”, mesmo que sejam famosas e idosas.
Um beijo é sinal de manipulação de gente quando se quer através dele propagar a ideologia do gênero, que é uma coleção de ideias, misturadas entre si, e que levam a um totalitarismo de tal magnitude, que seus autores não admitem jamais uma discordância deles. O beijo é sinal de manipulação das pessoas quando é dado apenas para aumentar a audiência pública e, assim, os recursos para a novela entram por meio de empresas que só se interessam em vender, mesmo a custo do uso indigno da gente.
É contra essa manipulação das pessoas que se deve insurgir, e não só contra o beijo entre as pessoas.
Ao conjugar o verbo beijar, e dizer eu beijo, nós nos beijamos, eles se beijam, o que as testemunhas desses beijos devem perceber é o sentido do ato físico. Esses atos merecem adjetivos nobres, honrados, qualificados? São realmente beijos sinceros, puros de intenção, belos, como os beijos da mãe nos filhos, dos irmãos entre si, dos esposos, etc.? São beijos cordiais, que nascem no coração e não das ideologias. São beijos amigos, que expressam esse sentimento tão grandioso de valorização do outro, como sendo o que é, um tesouro, segundo nos ensina a Bíblia Sagrada?
Beijar e receber um beijo, viver um verbo e destacar um substantivo, nas relações humanas, têm um sentido e um valor muito preciso, quando se quer entender assim: é o sentido de identificação profunda da outra pessoa como alguém merecedor desse ato físico, como alguém amado sinceramente, sem intermediação de nenhum objetivo explorador do próximo.
Como cidadãos e como cristãos temos uma grande missão na nossa época, entre tantas outras. A missão de edificar na família, na sociedade e nos meios de diversão humana uma verdadeira cultura do beijo, pautada pelo respeito sério pelo outro, pautada pelo olhar límpido para distinguir logo o beijo puro do beijo interesseiro e manipulador do outro, o beijo que, sendo físico, toca os lábios, o rosto, o corpo, porque se quer tocar a intimidade da pessoa beijada, para que ela perceba o quanto ela é valorizada como pessoa e jamais como uma coisa, um meio para vender produtos ou para difundir ideologias totalitárias.
Estamos metidos numa Babilônia cultural e ideologizada em pleno século 21, e alguém deve dar uma resposta a essa depravação de costumes e a essa invasão domiciliar de gestos falsos e indutores de ideias indignas do ser humano. Babilônia caiu como cidade e civilização. Cabe agora com essa cultura do beijar e dos beijos sinceros e puros derrubar essa “civilização babilônica” querida por algumas pessoas, levantando uma civilização do amor e da afetividade profunda, querida pelo Criador do homem e da mulher.
Essa tem que ser a resposta clara, eficaz e definitiva a essa sucessão midiática e “ibópica” de beijos perdidos, pois não tem nenhum sentido a não ser trair a dignidade do homem e da mulher envolvidos nessas imagens da mídia.
Dom Antônio Augusto Dias Duarte, Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro

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